The invention of colour [2013]

Cores e silêncios se integram às nove faixas de “The invention of colour”, o segundo disco do músico Tiganá Santana, lançado pelo selo sueco Ajabu!. Em um diálogo com artistas de outros países, o brasileiro Tiganá aprofunda o minimalismo poético-musical de sua obra e depura os elementos surgidos no álbum “Maçalê” (2010), como as leituras sobre a ancestralidade (de estreita vinculação com os universos religiosos da Bahia e da África). Produzido pelo percussionista sueco Sebastian Notini e quase totalmente gravado em Estocolmo, no Stureparken Studio, The invention of colour reúne composições em cinco idiomas (português, inglês, espanhol, kikongo e kimbundo), conduzidas pela sonoridade de um instrumento inventado, o violão-tambor.

O título em inglês nasceu da “ideia de reunir”, como expõe o próprio Tiganá: “É a produção de um baiano dentro daquele espaço aparentemente sem qualquer conexão que é a Suécia. Tem a direção musical de um sueco radicado na Bahia, o percussionista Sebastian Notini, que tocou com gente dos cinco continentes. O projeto surgiu com ele, pensando na possibilidade de registrar a sonoridade deste violão, que eu chamei de violão-tambor”.

Artistas de três continentes foram incorporados ao álbum: Ane Brun (Noruega), Mayra Andrade (Cabo Verde), Lazzo Matumbi (Brasil) e Maher Cissoko (Senegal). O artista plástico Emanoel Araujo, diretor-curador do Museu Afro Brasil, em São Paulo, produziu aquarelas para o projeto gráfico. “Pensamos em trazer esse mosaico de perspectivas diferentes, de origens diferentes, de pessoas diferentes, para uma coisa mínima, que é ter menos instrumentos. É a ideia de que tudo vem desse mínimo e regressa a ele. É o simples que importa”, defende Tiganá. O poeta Marcelo Ariel e a cantora Jurema Paes escreveram textos excusivamente para o álbum.

O disco ultrapassa os limites do seu “estado criativo”, refletindo o desejo de encontrar-se nesse “estado existencial preferido” (e não apenas representá-lo). “Há a proposição de um violão inventado, com composições inventadas, com uma voz inventada. Por isso o título ‘The Invention of Colour” é recorrer a esse estado, não só como proposta artística, mas como proposta estética e comercial. O artista apenas escancara o estado criativo, que é você inventar o real, dar sentido e acreditar neste sentido”, completa o compositor. “Eis-me aqui/ serei eu a voz que nunca seja,/ já que a voz pode remeter ao que/ não há”, diz a canção “Mama Kalunga”.

O canto de Tiganá absorve uma ambiência ancestral; coalhado de silêncios, atento à fluência dos idiomas e à musicalidade das palavras, esse canto define e molda sua espiritualidade. “Todas as vezes que ele compõe, os deuses pegam na mão dele”, diz a cantora Virginia Rodrigues. O violão-tambor, inventado por Tiganá, responde a um constante desafio, este também jogado pelos deuses: permanecer fiel aos chamados da música, e servi-la. “É um violão com 5 cordas, em vez de 6, e que tem sons graves, permitindo que a gente tenha, como se diz na Bahia, perguntas e respostas”, detalha Tiganá. “Há baixos em cima e baixos embaixo, junto com a textura que ele acaba tendo, mais grave. Isso me fez metaforizá-lo como um violão-tambor”.

Para o compositor, o álbum “é mais preenchido por silêncios”: “Foi todo gravado em Estocolmo, no estúdio de Andreas Unge (co-produtor do disco), com o máximo de humanização possível, sem a separação dos elementos para que resulte num negócio que engana todo mundo. Não, foi feito como eu toco em casa. Cheguei lá, gravei, é real. Sou eu com todo o muco da criação, da existência, das dúvidas. Está tudo ali. Mas atrelado a isso existe um aparato técnico que permite essa naturalidade. Tem microfones adequados para a maneira mais natural possível”.

Ouça o álbum na íntegra:

DESTAQUES NA IMPRENSA INTERNACIONAL

Segundo o mapeamento do “World Music Charts Europe” (http://www.wmce.de/), “The Invention of Colour” foi o 8º álbum mais baixado na Europa em agosto deste ano. A revista inglesa “Songlines” (http://www.songlines.co.uk/topoftheworld/top-of-the-world.php) considerou-o como um dos dez melhores lançamentos internacionais de 2013. Na Suécia, o crítico do site “Tidningen Kulturen”, Peter Sjöblom, destacou: “Tiganá Santana tem uma intensidade delicada, com camadas e camadas de sonoridades leves, deslocamentos rítmicos cautelosos, movimentos e contra-movimentos”. E Sjöblom acrescentou: “Ele canta em várias línguas africanas e europeias, o que, sem dúvida, contribui para a coloração emocional da música. Mas, novamente, não é paleta farta que ele oferece; a música vai andando em cores quentes e suaves. Eu digo bege sem querer dizer nada sombrio, eu digo marrom, querendo dizer macio, marrom acolhedor. Vermelho fino e saturado. Cores que não se intrometem, mas trazem uma calma devota” (http://tidningenkulturen.se/artiklar/musik/musikkritik/13287-musik-tigana-santana-the-invention-of-colour).

INFLUÊNCIAS AFRICANAS
Iniciado no Candomblé Congo-Angola, na Bahia, Tiganá Santana ocupa o cargo de Tata Kambondo no Terreiro Tumbenci. Esta experiência religiosa se traduz em inspirações e reinvenções musicais. “O primeiro disco é sempre um desejo de registrar. Havia coisas ali que já direcionavam para um determinado caminho. Mas, por exemplo, em relação ao que se chama de culturais ancestrais, às línguas, o meu sentimento é um veículo para se chegar a essa não-forma, a essa não-língua. Tenho que me afundar, mergulhar numa referência ancestral para sair do tempo”, afirma Tiganá. Em “Suíte (Ogum de Ronda – Katende – Mukongo)”, alarga os significados da autoria: “Ê … Ogum de Ronda/ Sois andarilho autor/ Serei vosso cantor, serei vosso cantor/ Não haja voz”.

O manejo dos idiomas, estrangeiros e familiares, conduz a outra linguagem, mais sintética e instrumental: “Curiosamente, nesses dois discos (‘Maçalê’ e ‘The invention of colour’) há canções em seis línguas. A exploração de seis idiomas não foi proposital. E há um sétimo, aquele em que me aprofundo mais: a ausência do texto na música”.

Mayra Andrade (cantora, de Cabo Verde):
“A gente se conheceu num contexto especial, entre amigos, e foi logo uma fusão muito especial, muito emocionante. Fui apresentada pela Márcia Castro, na casa de Mariana Aydar. Com Tiganá, nada é superficial, tudo é na base da sinceridade e verdade. Um tempo depois, ele me mandou essa música [“La Leyenda de Los Eslabones”], que é a primeira que eu gravo em espanhol. É muito bonita, mas, ao mesmo tempo, complexa. Foi um desafio cantá-la. Tiganá é um cantor impressionante, sóbrio. A sobriedade o define bem. Ele tem uma voz que me emociona muito”.

Marlon Marcos (antropólogo, jornalista e poeta):
“‘The invention of colour’ é um disco aquático: amálgamas de oceanos, barco musical saído da Baía de Todos Santos, sob a inspiração de Caymmi, Porter, Touré, canto singrando o canto de João Gilberto para ser outra voz. O disco é cantado em inglês, espanhol, português, quicongo e, para fora da rotina das canções, é som. Se faz música para o mais exigente apreciador; Deve chegar a Guinga, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Egberto Gismonti. Já pousou na voz da cabo-verdiana Mayra Andrade, da norueguesa Ane Brun e do baiano Lazzo Matumbi, que iluminam o disco para estesias musicais”.

Marcelo Ariel (poeta):
“Vejo Tiganá como um renovador da canção, no momento em que a canção está esgarçada. É um pensador e um renovador da canção. Ele acrescenta uma dimensão do pensamento. “The invention of colour” se liga com a ancestralidade e a coloca num patamar acima da canção. A canção brasileira tem uma dimensão panteísta, mística, e ele vai além”.

Emanoel Araujo (escultor e curador):
“Tiganá tem uma bela voz grave. E eu acho que ele é uma maravilha de cantor. Suas músicas, suas canções, deveriam ser mais conhecidas, deveriam ter mais alcance. Como ele é jovem, espero que conquiste o espaço que lhe é devido na música brasileira, para que seja reconhecido como grande personagem que é”.

Roberto Mendes (cantor, compositor e instrumentista):
“Tiganá é um compositor raro, fora de sua geração, com muito controle de sua criação. Ele me assusta com sua maturidade, me assustou quando o conheci, pelas suas convicções. É impressionante um menino criado para ser diplomata virar músico. Gosto do trabalho dele, dos conteúdos. Possui um trabalho muito difícil de se pensar. É difícil avaliar este disco novo. Só vou pensar em Tiganá daqui a dez anos! Toquei uma vez com ele e confesso que eu aprendia mais do que ensinava. Usa a inteligência com muita sabedoria”.